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domingo, 27 de abril de 2025
quinta-feira, 10 de abril de 2025
5. Sobre Lundus
Sobre esta peça, Mário de Andrade foi um pouco cruel:
E’ uma deliciosíssima obrinha, pela graça amaneirada, pela boniteza legítima de algumas linhas. E até ainda ironicamente deliciosa pela falta de carácter. Não é possível a gente Imaginar um Lundum menos lundú. Nem possui o movimento coreográfico com que os escravos de Angola implantaram essa dança no Brasil e em Portugal, nem muito menos o carácter de canção urbana, de intenção mais ou menos cômica ou irônica, em que o Lundú se converteu aqui, durante o período modinheiro oitocentista. E’ um Andante legitimamente europeu, muito evocando Mozart. Porquê a mão que escreveu o Andante admirável da Sonata em Do Maior, n.° 1. vl. I da ed. Germer, na certa não repudiava a primeira estrofe dêste Lundum. Encontrei-o no álbum da “Lira Moderna” donde o transcrevo sem tirar nem por. Está claro que será aconselhável suprimir certas estrofes.
O compositor anónimo era inspirado, sim, porém bastante esbanjador de vulgaridades também. A excessiva complacência pra consigo não lhe permitia percebê-las. E ás vezes um discreto esquecimento de partes é mais honrar que deturpar a obra dos artistas. Ter gênio não quer dizer possuir genialidade obrigatória a todo instante da vida. O caçador não depende apenas de si e do que traz consigo: depende da caça também, e certos dias neste mato não há jaó que responda.
Vocês concordam? Tendo a divergir, e explico o porquê na próxima.
terça-feira, 8 de abril de 2025
4. A primeira metade do século XIX
Rama inclinada,
Folhagem pálida,
Sombra magoada,
Aceite o nome,
O nome da minha namorada,
O nome da minha namorada.
Cândido Inácio da Silva, por sua vez, foi considerado por Mário de Andrade "salvas as proporções, o Schubert de nossas modinhas de salão". Violonista, é tido como o maior autor de modinhas da primeira metade do século XIX.
Duas de suas mais famosas modinhas foram publicadas por Mário de Andrade em "Modinhas Imperiais": Busco a campina serena e Quando as glórias eu gosei.
Segue um arranjo da primeira, para nossa formação orquestral.
Busco a campina serena
Para livre suspirar
Busco a campina serena
Para livre suspirar
Cresce o mal que me atormenta
Aumenta-se o meu penar
Cresce o mal que me atormenta
Aumenta-se o meu penar
Si ao brando rio procuro
As minhas penas contar
O rio foge de ouvir-me
Aumenta-se o meu penar
Si ao terno canto de uma ave
Vou meus gemidos juntar,
Emudece o passarinho
Aumenta-se o meu penar.
Sobre esta modinha, reproduzo abaixo o que escreveu Mario de Andrade:
"Esta Modinha que é um primor de Graça perfeitíssima, foi publicada sob a.®14, na “Coleção de Modinhas Brasileiras e Portuguesas" de Filippone e Tornaghi, donde a transcrevo. Os versos não trazem nome de autor mas ainda são de bom lirismo árcade. A música é de Cândido Inácio da Silva.
Este músico, totalmente ignorado por nós, me parece estar entre as figuras mais dignas de pesquiza, da composição nacional. Porquê si não teve a audácia de se manifestar em obras musicais vultuosas, que eu saiba, nem óperas, nem missas, nem sinfonias, foi incontestavelmente um trovador da melhor inspiração. As duas Modinhas dele que transcrevo aqui, são canções admiráveis pela beleza e sentimento de linha melódica".
As modinhas foram a grande expressão romântica de nossa música a longo de todo o século XIX e seu processo de "democratização" acentuou-se no final do século. Essa popularização deve-se à progressiva troca de seu acompanhamento pianístico pelo violonístico, à adoção do ritmo ternário e à sua simplificação formal.
No início do século XX, entretanto, a valsa com letra começou a se popularizar no Brasil e passou a ocupar o espaço da modinha como expressão maior da canção de amor.
É isso.
Prometi e não cumpri falar também dos lundus.
Perdão, fica para o próximo post.
sexta-feira, 4 de abril de 2025
3. Ainda sobre Modinhas e Lundus
As modinhas exemplificadas no post anterior deixam claro para mim o filtro estabelecido pela música acadêmica, oficial, sobre as expressões musicais de caráter popular no século XVIII. Devemos considerar a inexistência, naquele período, de formas de registro fonográfico e a escassez, na colônia, de oportunidade de impressão e divulgação de partituras musicais.
Assim, não consegui colher exemplos de modinhas que pudessem ser relacionadas a uma herança direta para a nossa música popular. Os exemplos existentes parecem todos revestidos de um academicismo europeu que lhes nega o caráter de brasilidade que há algum tempo fermentava.
As modinhas eram compostas geralmente em duas partes, a maioria em modo menor, em compasso binário ou quaternário. Apresentavam frequentemente linhas melódicas descendentes.
Melhor sorte também não logrei em relação aos lundus do final do século XVIII.
Bom, o lundu tem suas raízes (africanas) em danças. Citando Jairo Severiano "Originalmente uma dança sensual praticada por negros e mulatos em rodas de batuque, só tomaria a forma de canção nas décadas finais do século XVIII". E mais adiante "Num processo semelhante ao ocorrido com a modinha , o lundu também passou a ser composto de forma elitizada por músicos de escola, chegando à posteridade quase que apenas partituras editadas a partir dessa fase. É o chamado lundu de salão.
O lundu é uma música de caráter alegre, composto em compasso binário e na maioria das vezes em modo maior. Quando Jairo Severiano menciona a forma de canção assumida nas ultimas décadas do século XVIII, isto significa que "evoluindo de um batuque, o lundu ganhou "letra", com versos satíricos e maliciosos".
Mas, paciência, esperemos a virada do século.