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quinta-feira, 10 de abril de 2025

 

5. Sobre Lundus


Creio haver comentado anteriormente que os lundus estão para a dança como a modinha está para a poesia. 

Tal afirmação, ainda que simplificadora, pretende estabelecer a sua importância fundamental para a música popular instrumental brasileira.

Assim com aconteceu com a modinha, o lundu tem origem populares, passa por uma fase de refinamento e erudição ao ser acolhida pelos compositores acadêmicos, e volta a popularizar-se.

No caso específico dos lundus, estes originam-se de batuques para acompanhamento de danças africanas, ganham letras e uma certa elitização por parte dos músicos acadêmicos que terminam por nos legar as partituras que conhecemos. São os chamados lundus de salão.

O lundu esteve em voga durante quase todo o século XIX no Brasil, porém praticamente desapareceu cedendo lugar ao maxixe.

A seguir, dois exemplos de Lundu.

O primeiro trata-se do popular "Lundu da Marrequinha", de autoria de Francisco Manuel da Silva. Segue um singelo arranjo para flauta e violão.


A letra é de Francisco de Paula Brito (tirem as crianças da sala!!):

Os olhos namoradores
Da engraçada Iáiásinha
Logo me fazem lembrar
Sua bella marrequinha.

Iáiá não teime,
Solte a marreca,
Senão eu morro,
Leva-me à breca.

Se dansando à Brasileira
Quebra o corpo a Iáiásinha,
Com ella brinca pulando
Sua bella marrequinha.

Iáiá não teime, etc...

Quem a vê terna e mimosa,
Pequenina e redondinha,
Não diz que conserva prêsa
Sua bella marrequinha

Iáiá não teime, etc...

Nas margens da Caqueirada,
Não há só bagre e tainha
Ali foi que ella creou
Sua bella marrequinha

Iáiá não teime, etc...

Tanto tempo sem beber...
Tão jururú... coitadinha!...
Quasi que morre de sêde
Sua bella marrequinha!...

Iáiá não teime, etc...

Bom, depois desse exemplo,  fica mais claro o que  Jairo Severiano quis dizer do lundu, "uma música alegre, de versos satíricos, maliciosos, variando bastante nos esquemas formais".

Consigo agora, aproximar-me mais do meu alvo: música instrumental popular brasileira. E volto a Mário de Andrade, que em suas Modinhas Imperiais brinda-nos com a peça seguinte, de autor anônimo e batizada Lundum. Elaborei um arranjo para nossa formação:


Sobre esta peça, Mário de Andrade foi um pouco cruel:

E’ uma deliciosíssima obrinha, pela graça amaneirada, pela boniteza legítima de algumas linhas. E até ainda ironicamente deliciosa pela falta de carácter. Não é possível a gente Imaginar um Lundum menos lundú. Nem possui o movimento coreográfico com que os escravos de Angola implantaram essa dança no Brasil e em Portugal, nem muito menos o carácter de canção urbana, de intenção mais ou menos cômica ou irônica, em que o Lundú se converteu aqui, durante o período modinheiro oitocentista. E’ um Andante legitimamente europeu, muito evocando Mozart. Porquê a mão que escreveu o Andante admirável da Sonata em Do Maior, n.° 1. vl. I da ed. Germer, na certa não repudiava a primeira estrofe dêste Lundum. Encontrei-o no álbum da “Lira Moderna” donde o transcrevo sem tirar nem por. Está claro que será aconselhável suprimir certas estrofes. 

O compositor anónimo era inspirado, sim, porém bastante esbanjador de vulgaridades também. A excessiva complacência pra consigo não lhe permitia percebê-las. E ás vezes um discreto esquecimento de partes é mais honrar que deturpar a obra dos artistas. Ter gênio não quer dizer possuir genialidade obrigatória a todo instante da vida. O caçador não depende apenas de si e do que traz consigo: depende da caça também, e certos dias neste mato não há jaó que responda.

Vocês concordam? Tendo a divergir, e explico o porquê na próxima.


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