Creio haver comentado anteriormente que os lundus estão para a dança como a modinha está para a poesia.
Tal afirmação, ainda que simplificadora, pretende estabelecer a sua importância fundamental para a música popular instrumental brasileira.
Assim com aconteceu com a modinha, o lundu tem origem populares, passa por uma fase de refinamento e erudição ao ser acolhida pelos compositores acadêmicos, e volta a popularizar-se.
No caso específico dos lundus, estes originam-se de batuques para acompanhamento de danças africanas, ganham letras e uma certa elitização por parte dos músicos acadêmicos que terminam por nos legar as partituras que conhecemos. São os chamados lundus de salão.
O lundu esteve em voga durante quase todo o século XIX no Brasil, porém praticamente desapareceu cedendo lugar ao maxixe.
A seguir, dois exemplos de Lundu.
O primeiro trata-se do popular "Lundu da Marrequinha", de autoria de Francisco Manuel da Silva. Segue um singelo arranjo para flauta e violão.
Bom, depois desse exemplo, fica mais claro o que Jairo Severiano quis dizer do lundu, "uma música alegre, de versos satíricos, maliciosos, variando bastante nos esquemas formais".
Consigo agora, aproximar-me mais do meu alvo: música instrumental popular brasileira. E volto a Mário de Andrade, que em suas Modinhas Imperiais brinda-nos com a peça seguinte, de autor anônimo e batizada Lundum. Elaborei um arranjo para nossa formação:
Sobre esta peça, Mário de Andrade foi um pouco cruel:
E’
uma deliciosíssima obrinha, pela graça amaneirada, pela boniteza legítima
de algumas linhas. E até ainda ironicamente deliciosa pela falta de carácter.
Não é possível a gente Imaginar um Lundum menos lundú. Nem possui
o movimento
coreográfico com que os escravos de Angola implantaram essa dança no
Brasil e em Portugal, nem muito menos o carácter de canção urbana,
de intenção mais
ou menos cômica ou irônica, em que o Lundú se converteu aqui,
durante o período modinheiro oitocentista. E’ um Andante
legitimamente europeu, muito evocando Mozart. Porquê a mão que
escreveu o Andante admirável
da Sonata em Do Maior, n.° 1. vl. I da ed. Germer, na certa não
repudiava a primeira estrofe dêste Lundum. Encontrei-o no álbum
da “Lira Moderna” donde o transcrevo sem tirar nem por.
Está claro que será aconselhável suprimir certas estrofes.
O
compositor anónimo era
inspirado, sim, porém bastante esbanjador de vulgaridades também. A
excessiva complacência
pra consigo não lhe permitia percebê-las. E ás vezes um discreto esquecimento
de partes é mais honrar que deturpar a obra dos artistas. Ter gênio não
quer dizer possuir genialidade obrigatória a todo instante da vida.
O caçador não
depende apenas de si e do que traz consigo: depende da caça também,
e certos dias neste mato não há jaó que responda.
Vocês concordam? Tendo a divergir, e explico o porquê na próxima.
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