Chora Coração
Continuando em ordem alfabética, Chora Coração é também uma composição integrante de uma trilha sonora. Neste caso, de um filme: A Casa Assassinada, dirigido por Paulo Cesar Saraceni em 1971.
O roteiro do filme é uma adaptação do livro Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso.
Sobre Chora Coração e toda a trilha sonora de A Casa Assassinada encontrei um artigo maravilhoso de autoria de Ney Costa Santos, coordenador do curso de cinema da PUC/Rio.
Destaco alguns trechos, o que não dispensa a leitura do texto integral:
Para expressar a intensidade emocional do romance e de sua adaptação para o cinema, Tom Jobim trabalhou as variações de uma melodia que tem um lirismo bem brasileiro, talvez hoje perdido, mas que bem expressa o pathos emocional que atravessa o livro e o filme. Tom partiu do tema do schottisch Iara, um tipo de polca mais lenta e dançante, composta pelo maestro Anacleto de Medeiros. Anacleto foi um notável músico popular brasileiro, compositor de valsas, choros, polcas e peças sinfônicas para a banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, organizada e dirigida por ele. A música foi composta para homenagear a guarnição do barco Iara, vencedor de uma prova na regata de São Roque, em Paquetá, em 15 de novembro de 1896. Anos depois a melodia ganhou uma letra gongórica e ultrarromântica de Catulo da Paixão Cearense, foi gravada por vários cantores na primeira metade do século passado e ficou conhecida como Rasga Coração.
Anos mais tarde, Heitor Villa Lobos utilizou o tema principal de Iara/Rasga Coração para costurar a exuberante orquestração do Choro nº 10 para orquestra e coro. É intensamente belo o resultado sonoro obtido com a melodia singela de Anacleto, passeando entre as massas sonoras e o ritmo pulsante. Mais uma vez, Villa Lobos revela sua capacidade de representar algo intraduzível em palavras, algo que poderíamos chamar de alma do Brasil profundo, ou aquilo que o pesquisador Irineu Guerrini Junior chamou de “alegoria sonora da Pátria”, comentando o uso da música de Villa nos filmes do Cinema Novo.
Na Casa Assassinada, Tom Jobim partiu do tema de Anacleto e trabalhou variações e desenvolvimentos. A música é logo apresentada nos créditos iniciais do filme, porém em uma versão diferente daquela que, em 1973, com letra de Vinicius de Morais, Tom Jobim gravou nos Estados Unidos, mantendo a fidelidade emocional ao texto de Lucio Cardoso e ao filme de Saraceni.
A música escrita por Tom Jobim para a Casa Assassinada vai além da funcionalidade da música para cinema. O tema principal é muito mais que o comentário de cenas ou personagens. É um milagre, como o canteiro de violetas entre a fogueira das paixões que consomem a casa e os personagens e a delicadeza do perfume das flores no jardim abandonado.
Resta pouco a acrescentar. A suíte Casa Abandonada consta de quatro composições: Trem para Cordisburgo, Chora Coração, Milagre e Palhaços, e Jardim Abandonado. Foi registrada no LP Matita Perê, de 1972, com arranjo de Claus Ogerman.
Um último comentário: é imediata a associação de Trem para Cordisburgo com o Trenzinho do Caipira de Villa-Lobos.


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