Pesquisar este blog
quinta-feira, 15 de maio de 2025
domingo, 27 de abril de 2025
6. Sincopação, chave para a formação da música nacional.
quinta-feira, 10 de abril de 2025
5. Sobre Lundus
Sobre esta peça, Mário de Andrade foi um pouco cruel:
E’ uma deliciosíssima obrinha, pela graça amaneirada, pela boniteza legítima de algumas linhas. E até ainda ironicamente deliciosa pela falta de carácter. Não é possível a gente Imaginar um Lundum menos lundú. Nem possui o movimento coreográfico com que os escravos de Angola implantaram essa dança no Brasil e em Portugal, nem muito menos o carácter de canção urbana, de intenção mais ou menos cômica ou irônica, em que o Lundú se converteu aqui, durante o período modinheiro oitocentista. E’ um Andante legitimamente europeu, muito evocando Mozart. Porquê a mão que escreveu o Andante admirável da Sonata em Do Maior, n.° 1. vl. I da ed. Germer, na certa não repudiava a primeira estrofe dêste Lundum. Encontrei-o no álbum da “Lira Moderna” donde o transcrevo sem tirar nem por. Está claro que será aconselhável suprimir certas estrofes.
O compositor anónimo era inspirado, sim, porém bastante esbanjador de vulgaridades também. A excessiva complacência pra consigo não lhe permitia percebê-las. E ás vezes um discreto esquecimento de partes é mais honrar que deturpar a obra dos artistas. Ter gênio não quer dizer possuir genialidade obrigatória a todo instante da vida. O caçador não depende apenas de si e do que traz consigo: depende da caça também, e certos dias neste mato não há jaó que responda.
Vocês concordam? Tendo a divergir, e explico o porquê na próxima.
terça-feira, 8 de abril de 2025
4. A primeira metade do século XIX
Rama inclinada,
Folhagem pálida,
Sombra magoada,
Aceite o nome,
O nome da minha namorada,
O nome da minha namorada.
Cândido Inácio da Silva, por sua vez, foi considerado por Mário de Andrade "salvas as proporções, o Schubert de nossas modinhas de salão". Violonista, é tido como o maior autor de modinhas da primeira metade do século XIX.
Duas de suas mais famosas modinhas foram publicadas por Mário de Andrade em "Modinhas Imperiais": Busco a campina serena e Quando as glórias eu gosei.
Segue um arranjo da primeira, para nossa formação orquestral.
Busco a campina serena
Para livre suspirar
Busco a campina serena
Para livre suspirar
Cresce o mal que me atormenta
Aumenta-se o meu penar
Cresce o mal que me atormenta
Aumenta-se o meu penar
Si ao brando rio procuro
As minhas penas contar
O rio foge de ouvir-me
Aumenta-se o meu penar
Si ao terno canto de uma ave
Vou meus gemidos juntar,
Emudece o passarinho
Aumenta-se o meu penar.
Sobre esta modinha, reproduzo abaixo o que escreveu Mario de Andrade:
"Esta Modinha que é um primor de Graça perfeitíssima, foi publicada sob a.®14, na “Coleção de Modinhas Brasileiras e Portuguesas" de Filippone e Tornaghi, donde a transcrevo. Os versos não trazem nome de autor mas ainda são de bom lirismo árcade. A música é de Cândido Inácio da Silva.
Este músico, totalmente ignorado por nós, me parece estar entre as figuras mais dignas de pesquiza, da composição nacional. Porquê si não teve a audácia de se manifestar em obras musicais vultuosas, que eu saiba, nem óperas, nem missas, nem sinfonias, foi incontestavelmente um trovador da melhor inspiração. As duas Modinhas dele que transcrevo aqui, são canções admiráveis pela beleza e sentimento de linha melódica".
As modinhas foram a grande expressão romântica de nossa música a longo de todo o século XIX e seu processo de "democratização" acentuou-se no final do século. Essa popularização deve-se à progressiva troca de seu acompanhamento pianístico pelo violonístico, à adoção do ritmo ternário e à sua simplificação formal.
No início do século XX, entretanto, a valsa com letra começou a se popularizar no Brasil e passou a ocupar o espaço da modinha como expressão maior da canção de amor.
É isso.
Prometi e não cumpri falar também dos lundus.
Perdão, fica para o próximo post.
sexta-feira, 4 de abril de 2025
3. Ainda sobre Modinhas e Lundus
As modinhas exemplificadas no post anterior deixam claro para mim o filtro estabelecido pela música acadêmica, oficial, sobre as expressões musicais de caráter popular no século XVIII. Devemos considerar a inexistência, naquele período, de formas de registro fonográfico e a escassez, na colônia, de oportunidade de impressão e divulgação de partituras musicais.
Assim, não consegui colher exemplos de modinhas que pudessem ser relacionadas a uma herança direta para a nossa música popular. Os exemplos existentes parecem todos revestidos de um academicismo europeu que lhes nega o caráter de brasilidade que há algum tempo fermentava.
As modinhas eram compostas geralmente em duas partes, a maioria em modo menor, em compasso binário ou quaternário. Apresentavam frequentemente linhas melódicas descendentes.
Melhor sorte também não logrei em relação aos lundus do final do século XVIII.
Bom, o lundu tem suas raízes (africanas) em danças. Citando Jairo Severiano "Originalmente uma dança sensual praticada por negros e mulatos em rodas de batuque, só tomaria a forma de canção nas décadas finais do século XVIII". E mais adiante "Num processo semelhante ao ocorrido com a modinha , o lundu também passou a ser composto de forma elitizada por músicos de escola, chegando à posteridade quase que apenas partituras editadas a partir dessa fase. É o chamado lundu de salão.
O lundu é uma música de caráter alegre, composto em compasso binário e na maioria das vezes em modo maior. Quando Jairo Severiano menciona a forma de canção assumida nas ultimas décadas do século XVIII, isto significa que "evoluindo de um batuque, o lundu ganhou "letra", com versos satíricos e maliciosos".
Mas, paciência, esperemos a virada do século.
sexta-feira, 28 de março de 2025
2. Modinhas e Lundus: Domingos Caldas Barbosa
Onde estávamos?
Ah, sim, no início.
Logicamente a história da música popular brasileira deveria ter início ao primeiro assobio de um marujo português ao desembarcar nestes trópicos. Mas a documentação destes fatos acaba por limitar o horizonte temporal.
Assim, inicia-se a história de uma música popular brasileira com a figura de Domingos Caldas Barbosa (1740 – 1800). Nascido no Brasil, viveu a partir de seus 22 anos em Portugal.
E cabe aqui apontar, logo de cara, uma aparente contradição. Comentei no texto anterior que iria me ater à história da música instrumental brasileira, e inicio com o nome de um poeta. De fato, nenhuma melodia de Caldas Barbosa chegou a nossos dias, somente seus poemas.
As principais “letras” de Caldas Barbosa foram reunidas e publicadas em uma obra intitulada Viola de Lereno.
Há referências ao poeta cantando modinhas e lundus para a corte de D. Maria I, se acompanhando à Viola de Arame. Também há notícias de que tenha musicado boa parte de seus poemas, mas tal qual o assobio do marujo português, restam soterradas pela areia do tempo suas notas musicais (essa foi dura…).
Desse material, 4 modinhas foram musicadas pelo músico português Marcos Portugal.
Uma das Modinhas musicadas por Marcos Portugal é “Você trata amor em brinco”. Creio que fala de alguém que brinca com os sentimentos de outra pessoa.
Acho a letra “bem-comportada” e a música “bem acadêmica”, sem exibir características de brasilidade.
Resta a peculiaridade de ser uma música feita por um português residente no Brasil, com letra de um brasileiro residente em Portugal. Segue o arranjo para a nossa atual formação orquestral:
Encontrei outra modinha “atribuída” a Domingos Caldas Barbosa. Chama-se “Se fores ao fim do mundo”.
Segue o arranjo:
Novamente música e letra "bem comportadas”, acadêmicas. O povo escutava, ideias fermentavam…
A propósito, da próxima vez, falo um pouco a respeito do lundu.
segunda-feira, 24 de março de 2025
1. Um projeto de estudo para 2025: história da música popular brasileira.
Bom, provocado a colocar em texto (quase ia escrevendo colocar no papel…) algumas das ideias que expressei em encontro recente de nosso curso de Regência Orquestral, dou início a uma conversa informal sobre o que ando pesquisando e estudando a respeito de um assunto tão amplo e instigante como a história da música popular brasileira.
O impulso inicial para este estudo veio de uma troca de mensagens de fim de ano com o maestro Angelino Bozzini. Pelo que lembro, ele expressou na ocasião o desejo de desenvolver um material didático que pudesse identificar a origem e o desenvolvimento de certas características de nossa música, principalmente no uso de contracantos que enriquecem nossos arranjos musicais.
Passados os dias dedicados a Baco, comecei a dar asas ao pensamento.
Primeira tarefa para o planejamento da viagem foi adquirir um guia. Após rápida pesquisa, optei pelo livro Uma história da música popular brasileira, de Jairo Severiano, editora 34, SP, 5ª edição.
A obra de Severiano (1927-2022) abrange nossa música popular desde sua formação até os dias atuais. O volume de informação e referências é extremamente grande: como um guia, permite que se façam outras pesquisas com o objetivo de aclarar ou aprofundar certos assuntos mais intimamente ligados ao objetivo do projeto; por outro lado impõe que se estabeleçam limites para a abrangência do estudo.
Cabe aqui, portanto, uma declaração de propósito: vou me ater à história da música popular instrumental brasileira e tendo como limite temporal o início da era do rádio, com a consolidação do choro, personificado em Alfredo da Rocha Viana, o Pixinguinha.
Voltando ao guia, tal declaração de propósito significa que irei me concentrar nos 18 capítulos iniciais do livro que consta de 55 capítulos.
Neste processo, irei buscando referências musicais que exemplifiquem cada gênero/autor mencionado, coletando e desenvolvendo arranjos que estruturem um repertório a ser apresentado ao longo do ano de 2025. Haja fôlego!
É isso.
Ricardo Dias